"Escrevia o Guardian no dia seguinte ao jogo entre Portugal e França que Figo tinha presença. Que a cara de Figo "é a de um padre que ouviu uma confissão a mais do que devia". Já Valdano escrevia há uns anos que "Figo tinha o físico de um atleta, a cabeça de um funcionário e os pés de um bailarino". No blogue Memória-Inventada, Vasco Barreto vai ainda mais longe. Explica que Figo sou eu: "Percebo agora que a longevidade do futebol do Figo não me é indiferente. Somos praticamente da mesma idade. Oiço falar dele desde a adolescência. Quando o Figo deixar de jogar sei que me vou sentir mais velho. A aproximação à velhice não é gradual e previsível; é quântica e inesperada. A fantástica metamorfose que foi ocorrendo em Figo, aproximando-lhe o rosto ao de uma estátua, nem chegou a ser um aviso."E sim, é verdade, não estou preparado para o adeus de Figo. Figo é só o jogador mais importante de sempre do futebol português. Eusébio é uma abstracção; Carlos Manuel um golo contra a Alemanha; Futre um fogacho e Rui Costa um príncipe sem coroa. Deco e Cristiano ainda estão por cumprir e o resto são guarda-redes, defesas, trincos ou laterais. Figo é o Mundial de sub-20; Figo é o homem a fintar toda a equipa da Académica num jogo clandestino do campeonato nacional; Figo é o pesadelo de Roberto Carlos no melhor Barcelona de sempre; Figo é galáctico; Figo é o golo contra a Inglaterra em 2000; Figo é o jogo contra a Holanda em 2004; Figo é a revolta contra a velhice no golo a Angola; Figo é o Bola de Ouro. Figo é o melhor momento do mundial 2006 - a troca de camisolas ensopadas com Zidane. Figo é ficar orfão com pai e mãe vivos. Figo é o que Manuel Alegre dele disse: "Pelos campos do mundo senha e signo/ ele não desiste e nunca repete/e em cada rua é um menino/ de camisola número sete./Pelos campos do mundo seu nome é quem nos diz/ele corre e finta e dribla e com seus pés/ pelos campos do mundo escreve o seu destino./Por isso diz-se Figo e é um país/ com ele o sonho é português". Figo são dois cidadãos do Quirguistão a explicarem-me no estádio de Gelsenkirchen que o homem que conduz a bola tem como nome completo "Luís Filipe Madeira Caeiro Figo". Figo é Figo."
*Publicado no último número da Revista Atlântico